quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

E de repente não houve morte. Ou houve?

Da cozinha ela ouviu um tossido, um engasgar. Correu à sala e encontrou-o lutando pra respirar, sentado no chão, apoiado à mesinha de centro. Não, não era nenhuma surpresa suas crises, mas ela ainda não havia se acostumado. Sentou-se ao lado dele e afagou-lhe os cabelos.


Levava no rosto uma expressão peculiar. Não era resignação, era mais uma batalha interna pra não desmoronar, ao menos não na presença daquele amigo de tão longa data. Sua constância influenciava até seus momentos de desespero, quer dizer, não as frequentes brigas entre a desesperança e o medo dentro dela, mas aqueles onde ela realmente se dava o direito de chorar baixinho por sua irremediável sina. 

Eram ainda muito moços pra dizer adeus, mas nada podia ela fazer, se ele é quem desistira de lutar. Ele olhou-a nos olhos como que a despedir-se, como que a pedir perdão por ter se deixado levar tão levianamente. Foste e me deixaste, mas teu último suspiro será junto de mim, e sabes disso, ela havia dito uma vez em momento de ódio. E não, não estou a culpá-la por este triste desfecho. Não a ela, que deu-se de corpo e alma àquele ser, que fez o quanto pode para curá-lo, que perdoou-o por todos os erros, não importando a grandeza ou potencial destrutivo destes.

Ela sabia, aquele era o fim, mas não o tão almejado final feliz. E ele escarrou sangue apenas mais uma vez salpicando de carmim aquela coxa branca. Ela então o abraçou, o aninhou com tal ternura, que já se não esperava da sua postura tão continuamente seca. Seca é claro, aos olhos dos visitantes recentes, que não a conheceram outrora a esbanjar sonhos e esperanças.

Não saberia dizer quanto se passou até chegarem amigos encontrando-os lá. Com muito custo, convenceram-na a soltá-lo. A deixar levarem-no. Um deles perguntou se ela não queria que limpassem aquele sangue. Não houve resposta. Ela apenas levantou-se e dirigiu-se novamente à cozinha, como se nunca houvesse existido interrupção. Voltou a lavar a louça, afinal largara-a lá por terminar. Não se sabe se sem querer ou de propósito, mas enquanto ensaboava a faca cortou profundamente a mão e continuou lavando como se nada se houvesse sucedido, tingindo de escarlate toda aquela louça. 
Ao enxaguar do último copo, foi como se desmaiasse. Perdeu a força das pernas e pendeu pro lado esquerdo caindo pesadamente no chão, e em seguida, por fração de segundos, o copo a estilhaçar-se ao pé dela. E finalmente rolaram-lhe dos olhos lagrimas sentidas. Sem raiva nem gritos. Apenas lagrimas silenciosas.
E já delirava em febre. 

Assistiram a doente, e cuidaram que agora superaria o coração partido. Não entendiam muito bem o luto, afinal, quem é que havia morrido? Mas aceitaram-no, como uma forma de vencer a dor. 

A febre abrandou-se e até curou-se depois de um tempo, mas o delírio permanecia. Ensandecera. Ele veio visitá-la, o velho amigo que havia partido seu coração. Ela não respondeu à nenhuma palavra dele, como costumava fazer a qualquer estranho. A verdade é que não o reconheceu. Não houve maldade nas suas ações. Foi genuinamente estranheza. A aparência dele? Ela nunca realmente soube. Conheceu e apaixonou-se por seu lado bom. E esse, esse realmente havia morrido. Todos os seus lados inescrupulosos juntaram-se e afogaram-no. Não havia o que ou quem esperar. E aquele homem o qual ela não identificava, não era o homem que ela havia amado. Não era aquele cujo coração ela defendeu com unhas e dentes. Aquele era outro. Aquele era um desconhecido, e ela não confiava nele.

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