quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Sorria, querido. Apenas sorria...

Começarei confessando que senti medo de ti, querida. Te disse tanta coisa em tão mísero tempo, e quase dei pra trás, como ele fez. Senti que nossa amizade nasceu assim como a dele comigo. Advinda de um desespero interior que naquele momento eu nem tinha profundidade pra entender, afinal é fácil dizer simplesmente "Ele é apenas um drogado, culpado por sua própria sina, sem remédio, sem esperança...". É fácil não entender por pura falta de vontade.

Outro fato é que me sinto calar quando não paro de falar, como se nada realmente fizesse sentir melhor, como se nada abrandasse o arder dessa dor. E me sinto repetitiva. Porque mesmo não mudando nada, ainda falo. Me ouço irritante e desnecessária.

Repito a mesma história dia após dia, e penso estar cansando aqueles muito próximos, então mudo os interlocutores até que estas palavras saídas de minha boca pareçam confusas e vazias. Dou o direito aos meus ouvintes de acharem-me tola e superficial. Dou a mim o castigo de não conseguir expressar isso que queima cá por dentro, simplesmente pelo desespero me fazer parecer exagerada.

Diminuirei as repetições de minha fala, conquanto este coração não deixará de repetir os batimentos. Não deixará de chamar seu nome, e de perdoa-lo a cada sorriso. Afinal, sabes bem que adoro seus sorrisos...

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Veio visitar-me a angustia

-Não achou mesmo que se livraria de mim, não é minha querida? 

Pude ouvir seu riso de escárnio. Pude rever sob os meus olhos seus dentes afiados rangendo aos meus olvidos. Ela apenas olhava-me paciente. Tinha o tempo do mundo a assombrar-me.

-Achou que podia enterrar-me em suas filosofias? Ignorar-me como se eu não fosse nada? Bem eu, que nunca a abandonei? Deu-me as costas. Achou que podia superar-me, subjugar-me. Mas sabes que tenho um grande coração, e perdoo até os traidores. Não irei deixar-te dessa vez. Espero que estejas feliz em rever-me. Mas percebe? Você é quem me trouxe de volta. Você é quem quis repensar seus atos, seus medos. Eu vim porque você chamou. E quem sou eu pra dar-lhe as costas?

Eu não conseguia olhar nos olhos dela, encara-la. Olhava pras minhas mãos, estralava os dedos ensandecida, em estado de transe. Pedi-lhe que me deixasse, que fosse embora, mas pedi tão baixo, tão pra dentro, que nem sei se ela realmente ouviu. Mas deve ter ouvido e ignorado, ninguém nunca se mostrou tão onisciente quanto ela a aparecer-me a qualquer deslize. Deveria sentir-me em casa, como vestir um velho pijama. Mas parece que a sensação, não importa quantas vezes a tenha, é sempre nova, sempre desconfortável. Sempre ruim, sempre.

E que comece o espetáculo

Ah, a mente humana. Trabalha um tanto quanto parecido com uma peça de teatro dessas que a gente não leu o roteiro. Começa com uma trilha sonora marcante para que os espectadores calem a boca e tem-se um começo ordinário para que nos apoderemos dos fatos, mesmo que superficialmente.

Quando achamos que entendemos aquela estória, fecham-se as cortinas em meio à cena onde a Desilusão apunhala a Esperança pelas costas. Abrem-se as cortinas e encontram-se no recinto a Dor e a Descrença que, apesar de próximas, não se falam. Parece eterna aquela cena, e que desconforto meu deus. Momento enfadonho, quase insuportável. Parecem horas, parecem dias, meses... 

E é então que renasce das cinzas a Esperança (renasce das cinzes? é peça de fantasia agora?) vindo com uma nova conhecida, a Consciência. Têm andado unidas, mas aquela ignora quase tudo que esta diz e chama-a pessimista. Vivem discutindo, mas amizade é isso mesmo né?

Ah, a mente humana. Quando nos apaixonamos ela se assemelha um pouco mais a uma apresentação de dança. Tudo acontecendo ao mesmo tempo e apesar de sempre tentarmos prestar atenção no espetáculo como um todo, nossos olhos sempre param em uma parte em particular. E passamos a noite toda tentando desfocar, mas sempre voltando ao mesmo lugar. Eu disse a noite toda? A temporada inteira...

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Apenas mais um dia

Hoje é o dia da lembrança. Sério, não fui em quem inventou. Imagino como se comemora um dia assim. No dia do carteiro a gente pode abraçar ele ou algo do tipo, mas e no dia da lembrança, abraçamos quem?

Será que você se lembra quando me disse em tom de desespero que precisava de ajuda, quando na verdade apenas não sabia o que ia almoçar? Foi um dia alegre. Lembra quando resolveu me dar um apelido fofo tosco? Aquilo foi estranho. E ainda aquele sarau onde, por alguma razão desconhecida, quis minha companhia até a escada rolante? Não sei muito bem o porque daquilo, mas foi o mais belo vamos que já escutei. Lembra quando resolveram bater palmas e gritar seu nome em coro para que subisse ao palco? Até hoje me pergunto se realmente demorou pra percebe-los ou se estava tentando ignora-los pra que parassem. E seu surpreendente e gritante desconforto em estar lá em cima a recitar o poema que me faria acreditar no seu coração como acredito hoje, e mergulhar nessa batalha que ainda acontece em meu peito. Saudosos momentos estes...

Pararei por aqui, pois se continuasse ficaria o dia todo. Enfim, não sei bem o que deveria ser feito no dia da lembrança. Tenho vivido delas há tanto tempo, que esta não pode ser uma data comemorativa e nem necessária. Será que existe o dia do esquecimento? Esse sim seria uma novidade em minha vida...

Retrato do não dito

Sou assim, uma personalidade um tanto comum, que por alguma razão se passa completamente contrária à certas pessoas. "Calma"... se estivesse aqui veria meu suspiro de enfado.

Sou assim, alguém que ama banhos de chuva e odeia sapatos, todos eles. É claro que os usa, por convenção social. A proposito, tenho até certo gosto por convenções sociais, fazem as pessoas mais suportáveis. Algumas não as seguem e acreditam que ser "ele mesmo" é desculpa pra ser imbecil. Enfado novamente...

Sou assim, amo o cheiro do frio, apesar dele me fazer espirrar. Amo você, apesar de me tirar o bom humor. Talvez eu seja um tanto masoquista.

Amo o teu riso e odeio teu gargalhar. É torpe, e parece fingimento. Parei de fingir gostar de todo mundo há muito tempo mas diferente de alguns, não sorrio e nem faço cara feia. Apenas deixo passar.

Sou assim, crédito ilimitado. Sempre pronta a perdoar, e a esquecer os erros alheios. É verdade que ainda estou trabalhando nisso. Não é culpa minha que quando te indispõe comigo novamente, as tuas palavras ruins me voltam à cabeça.

Sou assim, uma alma confusa e cansada, que não precisa de mais que o teu sorriso pra levantar e lutar novamente. Sou mais feliz assim, esperançosa e um tanto iludida, mas que respira mais tranquila quando acredita.

Sou assim, um coração amante, um erro andante. Alguém, que possuindo os defeitos que tem, aceita os teus. Entende os teus. E te quer com eles. Será que é tão difícil acreditar que alguém te ame assim como es? Sem mudar nada? 

domingo, 25 de dezembro de 2011

Um sábio disse uma vez que aqueles que mais detestamos são ou completamente diferentes de nós, ou completamente parecidos. Não suportamos nossos defeitos em outras pessoas, assim como aquele irmão mais novo que sempre maldizemos mas que se outro o faz, o defendemos.

Acho que aprendi a gostar de um igual no momento que aprendi a gostar um pouco mais de mim. Talvez eu não seja vítima de nada - e deva parar de agir como tal - mas vitima de mim. Vitima dessa personalidade quase amável de querer acolher o mundo com braços tão curtos. Não digo que irei então parar de tentar, mas vou aceitar esse lado meu sem lagrimas nem amargura. Afinal, como ele poderia acreditar que eu o aceitaria, se não aceitava a mim mesma?

sábado, 24 de dezembro de 2011

Retornei de minha dolorosa viagem. Verdade seja dita que mal saí do porto, mas a dor era tanta que não suportei. Desfiz as malas, estas tão cheias de amargura e memórias mal resolvidas. 

Não me cabe dizer se estou novamente aqui simplesmente por amar-te tanto ou por medo, mas de qualquer forma, isso já não muda nada.

Lá estava eu naquele cais me transformando numa imagem fria, sem surpresas nem sonhos. E a dor? Oh, esta nunca se ia. Tentei aguentar, juro que tentei. Mas não foi suficiente e voltei. Me via naquela imagem e me enojava. Aquela não era eu. Aquela fui eu? Aquela não sou eu.

Eu só precisava de tempo pra perdoá-lo. Tempo pra engolir e digerir tudo aquilo.

Se é que adianta te pedir alguma coisa, volta também Joaquim. Volta que aqui a dor é menor, seras mais feliz, prometo. Não volta por mim, mas por ti mesmo. Perdoa esse teu coração que há tanto está de castigo. Se eu já o perdoei, porque não o podes tu?
Somos muito diferentes. Sabes que até já acreditei nisso? Contudo, percebe como fomos parecidos esse ano? Ambos em algum momento abrimos nossos corações, ambos mentimos e omitimos informações, ambos demos pra trás por medo. 

Te culpei muito tempo por isso sem perceber que havia feito a mesma coisa. Em nenhum momento eu lhe disse que te amava. Dei a entender, claro, mas nunca disse. E eu bem sei que isso faz diferença. Quando não havia mais nada há ser dito, eu não disse, eu omiti. Eu senti medo. Autopreservação idiota!

Talvez realmente não devesses confiar em mim. Precisas de alguém que não sinta medo de dizer "Eu te amo", que não sinta medo de admitir. Alguém forte que tenha certeza do que quer.

Eu posso não saber o que fizeste no fim de semana passado ou quais são todos os teus amigos. Posso não saber tua altura nem tua cor preferida.

Eu não conheço os fatos, querido, mas conheço tua alma. Conheço teus receios, tua dor. Conheço-te como ninguém e jamais te deixarei convencer-me do contrário novamente. Eu acredito em você e sei que é capaz de coisas tão grandiosas. Sai da caverna, meu bem. Para de assistir às sombras e age. E chora, e ri, e sente e enfim, vive.
Tu que abandonaste quem chamou por ti
Tu que me deixaste enfim,
Que fazes agora a procura de mim?
Pode trazer-me o teu Nada meu bem, que este vindo de ti vale até mais que o Tudo de outrem...

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Se já não bastasse o mundo, até a minha presença me incomoda agora. Sempre amei a chuva, acho-a tão mais fortificante que o sol... tão mais feliz, se é que sei o que estou dizendo.

Porém a chuva adquiriu um novo aspecto recentemente. Me faz pensar que apesar de nossa distância, meu bem, essa chuva que se defronta tolamente com a minha janela, também se defronta com a tua. Que esse vendaval também empoeira o teu chão, e que este céu escuro também assombra o teu lar.

Encontramo-nos apartados, vivendo diferentes vidas, vivendo em diferentes mundos e gosto de pensar que coisas simples como esta chuva que cai, também cai onde você está ainda que tenhamos sim uma fase comum, já que arrasta meus sonhos e enterra-os, assim como fez com os seus.

E essa minha insistência em remoer-me na tua ausência é que me desconforta. É saber que me trouxe a sua desesperança sem me tirar inteiramente essa capacidade de perdoá-lo tão depressa.

Ah, foste tão belo em minhas idealizações... será que eu mesma não o criei? Ou não foi você que se moldou em meu coração?
Vi então aquela estrela no céu. Tão pequena e tão grandiosa à sua maneira. De brilho tão tímido, mas tão único. Tão danificada quando bela. Tão cheia de medos e tão sozinha. Aproximei-me dela é claro, afinal, que mal haveria nisso?

Dei-me a ela apenas pra ser surpreendida. Pensei que pudesse ajudá-la a recuperar seu brilho. Mostrar ao mundo quão maravilhosa ela era, mostrar àquele céu escuro e sombrio que nada havia de matar aquele alvor. E ela fez-me promessas apenas para quebra-las mais tarde. Preferiu seguir seus medos tornando-se medíocre, interpretando lampejos que não eram seus. Tornou-se indigesta de tão paradoxal. Perdeu-se em suas próprias mentiras, em suas próprias luzes...

Apenas não esperava esse comportamento de uma estrela. Se ver sua luz já é ver o passado, talvez eu apenas tenha chegado atrasada demais...
Aproximei-me da janela pra fecha-la. Aquela luz não me deixava dormir. Olhei para o céu e vi que as nuvens se mexiam, mais rápido que o natural, ou ao menos, natural aos meus olhos. Fiquei ali encarando-as, vendo-as ir embora. Nada as impedia, eram livres, eram nuvens. E elas corriam.

Lá em cima, bem alto no céu, ainda que eu não pudesse sentir no rosto, havia uma ventania, e outra ainda em meu coração. Tudo dentro de mim está rápido demais pra que eu entenda. Pra que eu realmente assimile o que está acontecendo. Quero tantas coisas e na verdade talvez, eu não queira realmente nada. Encontro-me aqui presa às correntes...

E se bem reparar, elas também não são livres. Açoitadas constantemente pelo vento frio, rude ou obrigadas a ficar quando a única coisa que gostariam é ir embora, ou deixar-se cair sobre as almas frias desses corpos quentes que vivem a se auto-destruírem e quando isso não basta, destruírem os únicos corações mornos que ainda restam neste mundo. 

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Inexorável

Por acaso tem alguma ideia do que eu quis quando te vi? Bom, primeiramente que você fosse embora, ou que eu pudesse desaparecer, qualquer coisa que o valha.

Passado esse impulso eu quis apenas uma coisa. Te ver da mesma forma de outrora. Porque não serei hipócrita dizendo que não foi um bom amigo, foi sim. De todos, foste o único capaz de acalmar meus momentos de descrença, abrandar minha cólera. Mas, como você mesmo enunciou, nada que dissesse mudaria a forma como interpretei tudo aquilo.

A criança vive bem sem o doce, se este nunca lhe foi dado. E você o deu a mim sem restrições, num momento que eu não o rejeitaria, não tinha forças pra tanto.

Eu quis apenas te ver da mesma forma, e não digo que quis ter-te como naquela semana. Não, aquela vontade já havia sido reprimida. Não te vi nem desse nem daquele modo. Eu apenas não te via, de modo nenhum. Os teus braços não me fizeram sentir nem acolhida e nem desejada. Não me fizeram sentir nada.

Espero realmente que eu possa um dia superar essa minha inércia, essa minha apatia.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Sorrisos práticos

Continuamos vivos. Ou ao menos de pé respirando. Ou ao menos exteriormente vivos. Mas a que preço? A custo de nossos corações partidos, comprimidos e escondidos. A custo de nossas vontades serem reprimidas a tal ponto de inexistirem. A custo de sorrir quando não se há motivos pra isso, apenas pra evitar mais perguntas e abrandar a preocupação alheia daqueles que ainda se importam.

Achávamos que falar disso bastaria. Que abrir nossos corações com as pessoas certas, seria suficiente. Mas não é. Nada é.

Hoje tu dispôs-se a ficar se precisasse. Contudo, hoje era tarde demais. Minhas mãos já estavam quentes e meu corpo frio. O teu abraço já não me provocou nada, nem conforto, nem incômodo, nada. A tua ânsia de ter-me esvaiu-se em sincronia com minha culpa. E minha ânsia, com tuas palavras.

Em verdade até acho saber o que quero. Mas tu não o podes dar-me, então pra que prolongar essa conversa? Cansei-me de conversas. De falar enquanto isso apenas aprofunda o vazio - este infinito em meu peito - e aumenta os questionamentos.

Diz que sou suficiente por mim mesma, e poucos o são. Porém, não fui suficiente pra manter-te e em consequência, nem pra manter-me. Continuamos vivos enfim, corações partidos, pulsos cortados e vazios de qualquer coisa que não seja a dor.

domingo, 11 de dezembro de 2011

-Vá embora! Não, por favor volte. Fique mais um pouco. Aceita alguma coisa pra beber? A porta é a serventia da casa...

Já nem sei mais o que estou dizendo, o que estou fazendo. Cada parte de mim diz uma coisa. Diz não, grita, bate, reclama, dói. E nunca chegam a um acordo. Neste momento acho que eu só queria um pouco de silêncio. E talvez uma noite bem dormida.

Hoje eu não quero mais nada. Eu quero menos. Menos saudade, dor e pranto. Menos vontade de abraçá-lo e menos confusão. Já nem sei a quem estou me dirigindo...

Ficar aqui parada me incomoda, mas aonde é que inda posso ir?

sábado, 10 de dezembro de 2011

-Você não pode substituir as pessoas desse jeito. Deveria guardar seus afetos pra si mesma.

Essas palavras tuas foram como um soco no estomago. Eu não conseguia respirar. E era como ouvi-lo de novo. Sua voz ressoando e ecoando dentro da minha cabeça. Nada doeu como essas palavras, talvez nem as dele. Talvez doessem por contrastarem com as anteriores "sou seu amigo na origem da palavra" ou "pode confiar, eu só quero o teu bem". E ainda assim, naquele último abraço eu gostaria de poder segurá-lo pra sempre. Ah, os hiatos...

Minhas mãos outrora frias, agora estavam quentes. Quentes de ódio, de dor, de mágoa. Ou talvez quentes por segurar as lágrimas que cresciam em meu peito transbordando.

Tu, que quase me fez sentir inteira como em muito não me sentia, consegue agora me fazer sentir vazia...

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Fuga ao tema

-Sabe que o coração não sente não é? Tudo isso são emoções neurológicas. O coração em si bombeia sangue.

-O meu sente. O seu não porque você é fria.

Disseste brincando, meu bem, eu sei. Mas sabe que me incomodou? De todas as pessoas, eu sou a fria? Tu poderias dizer qualquer coisa de mim, mas falar de minha frieza? Sei que isso é tempestade em copo d'água, mas não faz ideia do que está dizendo. E nem eu sei... O que foram esses meus pensamentos que não me deixei relatar? Direi então, apenas pra não ser mentirosa além de fria. Não faz ideia pelo que passei.

O que são essas palavras saindo de minha boca. Tão familiares, tão odiadas, tão... dele. Quando ele me disse dessa forma, odiei-o tanto, achei-o tão cínico. E logo tal ideia me vem, com a mesma construção, a mesma forma, o mesmo tudo.

Senti então dois medos diferentes. Com você senti medo de estar me tornando fria. É verdade que tenho medo disso todas as vezes que leio frases românticas e as detesto. E agora senti medo de estar me tornando cínica e hipócrita como ele era. Então talvez tenha sido um medo só. Apenas o medo que me assombra há tanto tempo. O medo de me transformar nele. Apenas uma pessoa vazia alimentando-se de corações alheios.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

E de repente não houve morte. Ou houve?

Da cozinha ela ouviu um tossido, um engasgar. Correu à sala e encontrou-o lutando pra respirar, sentado no chão, apoiado à mesinha de centro. Não, não era nenhuma surpresa suas crises, mas ela ainda não havia se acostumado. Sentou-se ao lado dele e afagou-lhe os cabelos.


Levava no rosto uma expressão peculiar. Não era resignação, era mais uma batalha interna pra não desmoronar, ao menos não na presença daquele amigo de tão longa data. Sua constância influenciava até seus momentos de desespero, quer dizer, não as frequentes brigas entre a desesperança e o medo dentro dela, mas aqueles onde ela realmente se dava o direito de chorar baixinho por sua irremediável sina. 

Eram ainda muito moços pra dizer adeus, mas nada podia ela fazer, se ele é quem desistira de lutar. Ele olhou-a nos olhos como que a despedir-se, como que a pedir perdão por ter se deixado levar tão levianamente. Foste e me deixaste, mas teu último suspiro será junto de mim, e sabes disso, ela havia dito uma vez em momento de ódio. E não, não estou a culpá-la por este triste desfecho. Não a ela, que deu-se de corpo e alma àquele ser, que fez o quanto pode para curá-lo, que perdoou-o por todos os erros, não importando a grandeza ou potencial destrutivo destes.

Ela sabia, aquele era o fim, mas não o tão almejado final feliz. E ele escarrou sangue apenas mais uma vez salpicando de carmim aquela coxa branca. Ela então o abraçou, o aninhou com tal ternura, que já se não esperava da sua postura tão continuamente seca. Seca é claro, aos olhos dos visitantes recentes, que não a conheceram outrora a esbanjar sonhos e esperanças.

Não saberia dizer quanto se passou até chegarem amigos encontrando-os lá. Com muito custo, convenceram-na a soltá-lo. A deixar levarem-no. Um deles perguntou se ela não queria que limpassem aquele sangue. Não houve resposta. Ela apenas levantou-se e dirigiu-se novamente à cozinha, como se nunca houvesse existido interrupção. Voltou a lavar a louça, afinal largara-a lá por terminar. Não se sabe se sem querer ou de propósito, mas enquanto ensaboava a faca cortou profundamente a mão e continuou lavando como se nada se houvesse sucedido, tingindo de escarlate toda aquela louça. 
Ao enxaguar do último copo, foi como se desmaiasse. Perdeu a força das pernas e pendeu pro lado esquerdo caindo pesadamente no chão, e em seguida, por fração de segundos, o copo a estilhaçar-se ao pé dela. E finalmente rolaram-lhe dos olhos lagrimas sentidas. Sem raiva nem gritos. Apenas lagrimas silenciosas.
E já delirava em febre. 

Assistiram a doente, e cuidaram que agora superaria o coração partido. Não entendiam muito bem o luto, afinal, quem é que havia morrido? Mas aceitaram-no, como uma forma de vencer a dor. 

A febre abrandou-se e até curou-se depois de um tempo, mas o delírio permanecia. Ensandecera. Ele veio visitá-la, o velho amigo que havia partido seu coração. Ela não respondeu à nenhuma palavra dele, como costumava fazer a qualquer estranho. A verdade é que não o reconheceu. Não houve maldade nas suas ações. Foi genuinamente estranheza. A aparência dele? Ela nunca realmente soube. Conheceu e apaixonou-se por seu lado bom. E esse, esse realmente havia morrido. Todos os seus lados inescrupulosos juntaram-se e afogaram-no. Não havia o que ou quem esperar. E aquele homem o qual ela não identificava, não era o homem que ela havia amado. Não era aquele cujo coração ela defendeu com unhas e dentes. Aquele era outro. Aquele era um desconhecido, e ela não confiava nele.
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